Em 1920, Jaime M. Lima 1 (ensaísta e divulgador do vegetarianismo) abria um artigo sobre eucaliptos e acácias em Portugal, citando um relatório apresentado em 1909 ao parlamento inglês, com questões que se prendiam com o desenvolvimento da cultura florestal na Inglaterra. Apontava-se, já então, que a madeira era um produto finito e que, na melhor das hipóteses, demoraria cerca de 25 anos a criar ou, em alguns casos, até mesmo 80 2.
Adiantava também que «não ha caixa economica que, em segurança e rendimento, se compare com a plantação d'uma arvore. É capital posto muitas vezes a 100, 200 ou 300% ao anno […] Li algures que o Eucalypto, em igualdade de situação, dá cinco vezes o producto do carvalho» 1.
Esta opinião surgiu cerca de meio século depois de Portugal ter visto os primeiros eucaliptos serem introduzidos nas suas paisagens (1850-70), trazidos da Oceânia, continente de onde são originários e onde imperam e prosperam.
O seu rápido crescimento, a grande resistência e adaptabilidade a condições edafoclimáticas rigorosas, ditou a sua plantação em larga escala multiplicando «milagrosamente a riqueza florestal em proporções descommunaes […] pelas nossas provincias e por todo o littoral do Mediterraneo»1. Contudo, a febre eucaliptizadora esmoreceu quando se constataram debilidades na planta exótica: «não resistia nem ao sol, nem ao frio, nem á pobreza da terra; onde crescesse, edificava um abrigo temeroso para os passaros que devastavam as seáras; estragava os mattos e logo de começo ficava caro pela despeza da plantação. A madeira não prestava para nada; estalava por mil modos, torcia e rachava ao seccar, apodrecia depressa, quando enterrada ou mesmo fóra da terra».
Os eucaliptos de então ainda subsistem, ocupam a paisagem, e dividem apoiantes e opositores, que esgrimem argumentos de cariz ecológico com outros, de âmbito económico. À sua grande adaptabilidade, sobretudo em habitats de clima mediterrânico onde compete diretamente com a vegetação nativa, sendo deste modo considerado uma espécie invasora, contrapõe-se o seu crescimento rápido, a eficiência no combate ao efeito de estufa, uma vez que é um fixador de dióxido de carbono, resiste a pragas e a doenças, e as suas propriedades medicinais são utilizadas em farmácia e aromaterapia 3.
Na verdade, parece ser de acordo com este último argumento, que o governo, apesar das críticas, parece querer legislar. Segundo a Quercus o «Governo aprovou um novo regime de arborização e rearborização para favorecer unicamente as celuloses e a fileira do eucalipto, prejudicando a diversidade da floresta portuguesa e comprometendo outras fileiras económicas, como o montado de sobro ou o pinho» 4. O decreto-lei do Governo Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho 5, permite a arborização de parcelas arborização inferiores a 2 hectares «com qualquer espécie vegetal», onde está incluído o eucalipto, e mediante uma simples comunicação prévia ao Instituto da Conservação da Natureza e Floresta.
Ora, é sabido que o regime silvícola intensivo, como é o caso dos eucaliptais, explica de certo modo o mau ordenamento do território florestal e favorece a propagação dos incêndios, com graves consequências para a defesa da floresta, pessoas e bens. De facto, os eucaliptos encontram-se entre as espécies que mais iniciam e propagam fogos florestais e, simultaneamente, fazem parte das espécies mais resistentes ao fogo.
A ocorrência de fogos da década passada parece comprovar este facto e a paulatina substituição do pinhal pelo eucaliptal, ao invés de uma reflorestação com espécies nativas 6, reforça a ideia. Observa-se deste modo o empobrecimento da diversidade florestal (e da fauna), com as consequências biológicas óbvias e maximizadoras de grandes incêndios.
Esta alteração não será alheia há existência de um beneficiário direto: a indústria de pasta celulósica e de papel. Com ela, o país lucra e, tal como Portucel afirma no seu site: «dispõe de excelentes condições para a produção de bens e serviços oriundos das florestas, com a subsequente criação de riqueza, aumento do emprego e do bem-estar das populações, com destaque para o meio rural, bem como do acréscimo do valor líquido nas exportações» 3.
Mas se há visões diferentes para o futuro da espécie, há sobre o papel do Estado uma opinião unânime: este deverá ter o papel de coordenar, controlar e fiscalizar, visto conseguir ter uma visão global da ocupação do território, e até porque existem centenas de milhares de produtores e proprietários florestais com superfícies inferiores a 1 hectare, que criam um país florestalmente retalhado. Neste sentido, a disseminação do eucalipto e sua plantação intensiva, constitui-se numa das peças de um complexo problema de gestão territorial que se arrasta há anos e urge resolver.
1 Jaime M. Lima «Eucalyptos e acacias: vinte annos de experiencias» - Livraria do Lavrador, Porto (1920).
2 Um carvalho ou castanheiro atingem o seu porte adulto com cerca de 80 anos.
3 Portucel Soporcel (http://www.portucelsoporcel.com/pt/group/eucalyptus.php).
4 Quercus (http://www.quercus.pt/comunicados)
5 Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho
6 Inventário Florestal Nacional (IFN) de 2010 e 2011
Fontes: Jaime M. Lima «Eucalyptos e acacias: vinte annos de experiencias» - Livraria do Lavrador, Porto (1920) // Portucel Soporcel // Quercus // Inventário Florestal Nacional 2010 e 2011 // Café Portugal - Repensar a nossa floresta para sobreviver às chamas