O talho Sá de Noronha.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016 · Temas: , ,

Passeamos muito pelo Porto durante este último verão, nomeadamente pela sua Baixa. Percorremos ruas congestionadas por turistas, lojas de souvenirs, prédios cobertos de andaimes, prontos a ser transformados em alojamento local ou similar, e uma profusão de esplanadas que sugam a réstia dos estreitos e seculares passeios da cidade.

Talho Sá Noronha

Aquele ato de prazer, já não equivale ao de outrora; é agora um exercício de contorcionismo, de pára-arranca, e de mágoa para com lojas seculares encerradas ou transformadas em mais um restaurante “gourmet” ou uma gelataria internacional. É este o retrato da Baixa do Porto atual, que aos poucos deixa de ser uma cidade dos portuenses, onde as referencias comerciais se esvaem a um ritmo preocupante.

Num mundo que assiste já a manifestações contra o turismo massificado, como por exemplo em Veneza, uma cidade com cerca de 50 mil habitantes e 70 mil turistas diários,  seria bom que os nosso decisores políticos  zelassem pelo que ainda resta da verdadeira cidade. 

Nesse sentido, a Câmara do Porto manifestou recentemente alguma sensibilidade para o problema, criando um grupo de trabalho que visa “implementar políticas de apoio” à atividade comercial tradicional, “pelo seu relevante papel no plano cultural e de valorização do património histórico”; contudo, a iniciativa que parece não passar do papel, não é suficiente.

Continua a faltar coragem legislativa, “disciplinadora”, que alinhe a desenfreada locomotiva turística com a qualidade de vida dos habitantes da cidade e, sobretudo, despolete o zelo da fiscalização aos imensos pormenores  que respondem por aquilo que é uma cidade para os cidadãos e, ironicamente, também pelo turismo: a higiene urbana, o policiamento, a pichagem de paredes de casas e monumentos,  ou o fecho do histórico comércio tradicional.

Daí o nosso título; a reabertura de um talho na Rua José Falcão, uma artéria situada no eixo da “movida” portuense, cercada por hostels, restaurantes e bares da moda, é de facto uma notícia e ao mesmo tempo um ato de coragem.  De facto, há quanto tempo não assistíamos à abertura de uma loja do verdadeiro comércio tradicional portuense numa rua assim? Há muito! Entretanto, vimos fechar lojas seculares como a Casa Navarro (estabelecida desde 1860 na atual Praça da Liberdade), os Cafés Christina (na Rua Sá da Bandeira), várias ourivesarias da rua das Flores (que serviam a clientela vinda “descarregada” em S. Bento) e, até a mais emblemática loja do edifício do Bolhão, a Casa Hortícola, parece não ter um futuro certo.

Acreditamos no turismo como alavanca das cidades em geral, e da nossa em particular. Há, no meio de toda esta voracidade, iniciativas ou casos de sobrevivência deliciosos (os fabricantes violeiros do Porto, por exemplo) que noutro contexto, naquele de há duas décadas atrás, talvez tivessem tivessem mirrado há muito. Por outro lado, a recuperação do belíssimo edificado da cidade, desprovido dos atuais habitantes suburbanos é, sem dúvida, o melhor que o enorme embrulho turístico nos trouxe. Contudo, esta enorme prenda deverá ser aberta com cuidado e seleção, pois nem tudo nos serve.

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